setembro 18, 2007

Sobre coisas d'África, Bahia, Rio de Janeiro e Brasil


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Omulu

Omulu, também chamado de Obaluaiê, é o mais temido dos Orixás, pois comanda as doenças e a saúde, em suas mãos estão a enfermidade e a cura. Ei-lo no terreiro revestido de palha, rosto e corpo escondidos, para não exibir as chagas da lepra e da bexiga negra, coberto de coceiras, de mazelas, torto e aleijado. São Lázaro e São Roque. Atotô, meu Pai, dá-nos saúde, livrai-nos do mal! Seu dia é segunda-feira, as contas podem ser vermelhas e pretas ou pretas e brancas. Quando a palha de sua roupa é roxa, Omulu é Chapanan, terrível, amedrontador. Usa filá (capuz), xaxará e colares de búzios. Os xaxarás em geral são belíssimos, alguns de autoria de mestre Didi. Omulu come bode, galo, pipocas e aberém: massa de milho branco frita na folha da bananeira. Distribui as doenças e a saúde. Quando ele passa dançando no terreiro, vai recolhendo as enfermidades de seus filhos, carrega com elas, deixa os corpos limpos e sãos.

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Xangô

Xangô é um dos orixás mais poderosos, deus do raio, do fogo, do trovão. Foi o terceiro rei de Oyó. Seus símbolos são a pedra do raio e o oxé – machado duplo. Cores: vermelho e branco [na Bahia; no Rio de Janeiro, sua cor é marrom], roupas e contas. Cágado é sua comida preferida, juntamente com amalá (caruru). Toda quarta-feira, seu dia, come amalá. Gosta também de carneiro e galo. Sua dança é poderosa, dança de rei. Sua saudação: Kauô Kabiesile! Foi marido de três mulheres: Obá, Oxum e Yansã. Governava aconselhado por doze ministros, os doze obas, seis da direita, com voz e voto, seis da esquerda, com voz apenas. No candomblé do Axé do Opô Afonjá é conservada a tradição dos obás de Xangô. Entre esses obás estão Carybé, Dorival Caymmi, Genaro de Carvalho, Miguel Santana, Camafeu de Oxossi e o autor destas linhas [, Jorge Amado]. Há doze qualidades de Xangô entre as quais Afonjá, Ogodô, Ayrá, Aganju, Lubé, Ibaru. Ayrá veste branco. Ogodô dança com dois oxés, um em cada mão. Xangô figura entre os orixás mais populares.

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Yansã

Yansã é conhecida também por Oyá e quando é Oyá Bali comanda os eguns, dona dos mortos. É o orixá dos ventos e das tempestades. Corajosa guerreira, acompanhou seu marido Xangô na guerra. Foi sua terceira mulher. Divindade do rio Niger, mandona, sensual e inflexível. No sincretismo baiano [e também no carioca] é Santa Bárbara e tem um mercado com seu nome na Baixa dos Sapateiros. Contas roxas, roupas vermelhas [; no Rio de Janeiro, sua cor é o amarelo ouro]. Usa espada e oruexim feito de rabo de boi. Come cabra, galo, acarajé, não come abóbora, tem quizila. Saudação: Eparrei! A mais velha das Yansãs camada Oyá Ibejé.

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(Bahia de Todos os Santos: guia de ruas e mistérios - Jorge Amado)
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Apenas para ilustrar, uma das mais lindas passagens de Jorge Amado em Dona Flor e seus dois maridos:

Ah[, Flor]! Tu me mandaste embora, de volta me mandaste, não tenho outro jeito senão partir. Minha fôrça é teu desejo, meu corpo é teu anseio, minha vida é teu querer, se não me queres eu não sou. Adeus, Flor, já vou embora, estão me amarrando com um mokan e se acabou.
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A cidade se elevou nos ares e os relógios marcaram, ao mesmo tempo, meio-dia e meia-noite na guerra dos santos: todos os orixás para enfrentar Vadinho, egun rebelde e seu carrêgo de amor, e Exu sòzinho a defendê-lo. O raio e o trovão, a tempestade, o aço conta o aço e um sangue negro. Deu-se o encontro na encruzilhada do último caminho, nos limites do nada.

... Rei da guerra, Xangô cercado de obás e ogans, na côrte em esplendor, disparando raios e coriscos. (...) Omulu, com seu espantoso exército, comandando a bexiga negra e a lepra de milênios, o escarro podre e o pus, tôdas as doenças. Vadinho, tísico e pestilento, cego e surdo. Exu mastigou as doenças, uma a uma, curandeiro de tribos africanas.

Empunhando o paxorô de prata, lança invencível. Oxalá era dois: o môço Oxaguiã e o velho Oxalufã. Ao seu passo de dança todos se curvavam. Precedendo-o vinha Yansã, a que governa os mortos, mãe da guerra. Seu grito emudeceu o povo e, como um punhal, rasgou o coração exposto de Vadinho.

Juntos vieram em formação cerrada, com suas armas, suas ferramentas, sua lei antiga. Achando pouco serem tantos, convidaram os orixás da nação grunci e os de angola, os inkices congoleses e os caboclos. Todas as nações, do sul ao norte, contra Exu e seu egun. Partiram para o choque derradeiro.
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Quem comandou a revolta foi o Cão e às vinte e duas horas e trinta e seis minutos ruíram a ordem e a tradição feudal. Da moral vigente só restavam os cacos, logo recolhidos ao Museu.

Mas o grito de Yansã susteve os homens no pavor da morte. De Vadinho, sem mãos, sem pés, sem estrovenga, sobrava muito pouco: quase nada, coisa à-toa. Era o fim de Vadinho e de seu carrêgo de desejo. Onde já se viu finado em leito de ferro a vadiar, de nôvo sendo? Onde?

Deu revertério na batalha. Exu sem fôrças, cercado pelos sete cantos, sem caminhos. O egun em seu caixão barato, em sua cova rasa, adeus, Vadinho, adeus, até jamais.

Foi quando uma figura atravessou os ares, e, rompendo os caminhos mais fechados, venceu a distância e a hipocrisia – um pensamento livre de qualquer peia: dona Flor, nuinha em pêlo. Seu ai de amor cobriu o grito de morte de Yansã. Na hora derradeira, quando Exu já rolava pelo monte e um poeta compunha o epitáfio de Vadinho.

Uma fogueira se acendeu na terra e o povo queimou o tempo da mentira.
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(Dona Flor e seus dois maridos - Jorge Amado)